Mulheres adoecidas precisam de ajuda…

 

Folha Mulher – 20/10/2012

Iniciei meu trabalho de tratamento com Dependentes Químicos em 1996. Nessa época atuava no Instituto Souza Novaes, uma comunidade terapêutica situada em Campinas/SP. O centro feminino ficava na cidade de Seropédica/RJ. Em Campinas tratavamos da população masculina. A distância que separava os dois centros não existia apenas no percurso, mas também na abordagem e cuidados diferenciados que o universo feminino necessita.

A unidade feminina tinha capacidade para 30 pacientes e era uma das poucas exclusivas para mulheres no Brasil. Na época a proporção de mulheres portadoras de algum tipo de dependência era infinitamente menor que a encontrada atualmente. Para cada 10 homens tínhamos de 1 a 2 mulheres que eram encaminhadas ao tratamento. A média de idade se situava entre 30/40 anos e já existiam jovens, embora em menor número, internadas na instituição. O tratamento para o uso abusivo de álcool e de medicamentos era o mais procurado.

Nas minhas visitas a trabalho no centro feminino, já notava significativas diferenças na dinâmica psiquica e comportamental das pacientes. As mulheres eram mais emotivas, reativas, com maiores tendências a competir entre si e tinham particularidades, como por exemplo a maternidade. Pacientes internadas são separadas de seus filhos. Essa é uma das diretrizes diagnósticas da Síndrome de Dependência, descrita na CID 10 ou seja: “Abandono progressivo de prazeres ou interesses alternativos em favor do uso de substância psicoativa,…”

Neste “abandono progressivo dos prazeres” muitas pacientes deixam literalmente de lado atitudes saudáveis da vida. Cuidar de si mesma, dedicação aos estudos e ao trabalho, relacionamentos humanos, projetos de vida, são deixados para outro instante. O principal é o prazer imediato. Muitas vezes nos questionamos sobre como uma mãe é capaz de deixar de cuidar de seu filho ou abdicar da maternagem por conta do álcool ou da droga? É triste, porém real. Tal mulher está adoecida. Melhor não deixarmos chegar a este ponto e procurarmos ajuda o quanto antes.

Dependência Química e Alcoolismo são doenças que precisam de tratamento. A adicção é uma doença biopsicosocial que envolve vários aspectos do ser humano. Prejudica a pessoa individual e socialmente, provocando sofrimento em toda a família. De 1996 para hoje, muita coisa mudou. As diferenças relacionadas às expressões dos sentimentos, a labilidade afetiva, as carências, a maternidade; existentes no universo feminino continuam a pertençer ao jogo das pulsões. Porém, a precocidade da experimentação, a competitividade maior entre mulheres e homens, a “urgência” do prazer, o consumismo, etc, pioraram e muito a ocorrência da doença nas mulheres.

Discussões filosóficas a parte, mulheres que sofrem com as adicções e outras dificuldades relacionadas com a saúde psíquica, precisam de cuidados, de acolhimento e compreensão no caminho de volta para uma vida plena.

Fonte: CID 10 – OMS, 1993.

Silvio Pereira Gonçalves, é Psicólogo, Especialista em Psicoterapia Breve e Psicopatologia, Especializado em Dependência Química e Terapeuta Familiar. Diretor da Clínica Vale Verde, atende na Clínica Neuropsiquiátrica Atibaia.